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A ivermectina, um remédio clássico usado para piolho e sarna, foi alçada ao posto de nova bala de prata contra o coronavírus (Sars-CoV-2) — tanto no tratamento quanto na prevenção. Infelizmente, parece que estamos diante de uma nova edição da saga da cloroquina, hoje contraindicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e por órgãos regulatórios nos Estados Unidos para o tratamento da Covid-19 por causa de seu risco cardiovascular e da ineficiência demonstrada nos estudos mais confiáveis publicados até o momento.
“A questão é que também não temos trabalhos sérios em humanos mostrando benefícios da ivermectina para combater o coronavírus”, alerta Alexandre Cunha, infectologista do Hospital Sírio-Libanês, em Brasília (DF).
O que há de mais confiável no momento é uma pesquisa publicada por cientistas australianos no periódico Antiviral Research. Ela indica que o composto consegue inibir a replicação do novo coronavírus in vitro — isto é, em células isoladas no laboratório, não no corpo.
“Só que a dose eficaz nessa investigação ultrapassa entre 50 e 100 vezes o limite considerado seguro para o ser humano”, comenta Leonardo Pereira, farmacêutico e professor da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, no interior paulista. Além disso, infelizmente a maioria das drogas que traz resultados interessantes dentro dos laboratórios fracassa ao ser aplicada em gente como a gente.
A OMS emitiu em junho uma nota alertando contra o uso da ivermectina enquanto não surgirem resultados de testes em humanos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que regula os medicamentos no Brasil, posicionou-se da mesma maneira em um comunicado do dia 10 de julho.
A própria MSD, uma das fabricantes do medicamento, contraindica a sua prescrição para a Covid-19. No site do programa de doações globais dos comprimidos para combater verminoses, a empresa e seus parceiros esclarecem que as doses eficazes in vitro são “muito superiores aos níveis aprovados e jamais testadas em humanos”.
Essa farmacêutica também afirma que dosagens altas, como as que seriam necessárias para impedir a replicação do novo coronavírus, já demonstraram ser altamente tóxicas em ensaios com animais.
Além do achado australiano, uma suposta prova em humanos foi publicada em abril no site SSRN. A plataforma reúne estudos que ainda não passaram pela revisão de pesquisadores independentes, responsáveis por checar a metodologia do trabalho. É um processo primordial para dar credibilidade aos achados.
Esse artigo associava a ivermectina a uma maior taxa de sobrevivência após o diagnóstico da Covid-19. Ele foi utilizado como argumento por países latino-americanos, a exemplo de Peru e Brasil, para prescrever a droga nesse contexto. Mas… a “pesquisa” saiu do ar em maio, conforme denunciam cientistas internacionais, por falhas e falta de transparência com as informações utilizadas para chegar a essa conclusão.
“O estudo usava o mesmo banco de dados daquelas investigações sobre cloroquina que, hoje se sabe, tiveram seus números manipulados e descreditados”, aponta Danyelle Marini, farmacêutica e diretora-tesoureira do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo.
Outro trabalho, também sem revisão, liga a ivermectina a uma redução de mortalidade na Flórida, nos Estados Unidos. Mas ele não esclarece, por exemplo, a dose utilizada do composto. A forma que foi desenvolvido não permite estabelecer que o medicamento foi de fato ou responsávelpela fica Não risco de morte. O próprio artigo diz que suas descobertas precisam ser testadas por experimentos mais rigorosos.
A boa notícia: há estudos clínicos randomizados e controlados sendo conduzidos. É esse tipo de trabalho, que dá a ivermectina para uma turma e um comprimido placebo para a outra — sem que os pacientes e os médicos saibam quem está tomando o quê — que traz evidências mais sólidas sobre os benefícios e os efeitos colaterais de um medicamento. Uma dessas pesquisa é da Universidade Federal de São Carlos, com previsão de conclusão para dezembro de 2020.
O que é a ivermectina para que serve
O composto foi descoberto nos anos 1960 e integra o tratamento contra alguns parasitas, em pessoas e animais. De baixo custo e com poucos efeitos colaterais relatados, a droga rendeu um prêmio Nobel aos seus descobridores. Além do uso veterinário, no Brasil ela é prescrita para eliminar piolho e sarna.
Como atua diretamente nos agentes infeccioso, veio o interesse em testá-la contra outras doenças. No caso do Sars-CoV-2, ela impediria a entrada do vírus no núcleo das células humanas, onde ele precisa chegar para se multiplicar. Contudo, isso só aconteceu quando o fármaco foi injetado em alta quantidade em células isoladas.
“Essa mesma dosagem já mostrou, em outros estudos, ser tóxica para as células humanas”, reforça Danyelle.
A ivermectina tem efeitos colaterais?
Alguns dos defensores da droga dizem que, como ela é relativamente segura, não haveria problemas em prescrevê-la mesmo sem provas de eficácia — principalmente considerando que estamos diante de uma pandemia. Mas não é bem assim.
“Ela é contraindicada para algumas pessoas, como gestantes, portadores de problemas hepáticos e renais e pessoas com HIV”, exemplifica Pereira. Fora isso, o fato de uma medicação ser aprovada para uma finalidade não significa que é segura em outra.
“Prova disso é a própria cloroquina, bem tolerada no tratamento de doenças autoimunes, mas tóxica ao coração de pessoas com versões graves de Covid-19, que já apresentam inflamações no músculo cardíaco”, relata Cunha.
Outro exemplo é o ácido acetilsalicílico, a popular aspirina. “Ela é amplamente receitada contra dor de cabeça, mas não pode ser tomada por pessoas com dengue, porque aumenta ou risco de hemorragias”, completa o médico.
tem gente comprando ivermectina no veterinário
Como ela só pode ser vendida nas farmácias com receita médica, algumas pessoas T recorridom percorrido ls lojas agrícolas e de produtos animais para compra. Eis um problema sério, que motivou um alerta da Food and Drug Agency( FDA), entidade reguladora dos medicamentos nos Estados Unidos.
Mesmo que o princípio ativo seja o mesmo, o remédio para animais não serve para humanos. “Além de o produto não passar pelo mesmo processo de aprovação, a dosagem e a própria pureza podem ser diferentes. O risco é grande”, aponta Danyelle.
O problema dos kits de prevenção à Covid-19
Muitos deles incluem a ivermectina e estão sendo distribuídos por prefeituras com diversas combinações medicamentosas. A alegação é a de que impediriam a pessoa de se contaminar ou de desenvolver versões graves da Covid-19.
Além de não haver sequer indício de que isso seja verdade, engolir um combo de comprimidos sem saber como eles interagem no organismo é um risco considerável para a saúde.
“A pessoa toma o remédio achando que é uma prevenção eficaz e negligencia as medidas já comprovadas, como uso de máscaras, higiene das mãos e distanciamento social”, elenca Cunha.
Outro problema é que, por acreditar que a Covid-19 não vai se agravar, o indivíduo deixa de procurar ajuda mesmo quando percebe os sintomas se agravando. “Esses kits não funcionam e podem atrasar o tratamento real”, conclui Cunha.
Os remédios contra a Covid-19
No momento, só o antiviral remdesivir e o anti-inflamatório dexametasona estão bem posicionados na corrida da ciência em busca de uma droga que contra-ataque o coronavírus. “Mesmo assim, ambas se mostraram eficazes em pacientes com versões graves da doença. Ainda não há nada que impeça a infecção ou sua evolução para as formas mais severas”, diz Cunha.
Até agora, o melhor tratamento, assim como no caso da dengue e de tantas outras infecções virais para as quais não há fármacos específicos, é o bom acompanhamento médico. Ele envolve internação quando necessário e monitoramento de sintomas que indiquem gravidade.
E vale destacar que, na maioria das vezes, o próprio corpo se livra da enfermidade. “De dez infectados pelo coronavírus, oito se recuperarão sozinhos, independentemente do medicamento que tomaram ou não. Isso pode passar uma falsa percepção de que esses compostos funcionam”, destaca Cunha.